Há dias que estava dentro do que restara de um submarino nuclear
americano. Encontrara água potável e comida enlatada em grande abundância. Não
havia energia, pois as baterias estavam todas descarregadas. Todos os misseis
haviam sido lançados e o reator nuclear estava derretido e havia um índice
elevado de radiação, por isso estava usando uma daquelas roupas anti-radioativas.
Para minha sorte, dois compartimentos estavam ilesos, dos alimentos e das
armas. E a radiação impedia que “Eles” monitorassem a minha presença.
Os Caça-Humanos com os equipamentos para encontrar seres com o conjunto
celular de um humano, chamado “scanner pluricelular homo sapiens”,
estavam cada vez mais perto daquele lugar. Eu havia matado três deles e recuperado
seus equipamentos e armas, a minha maior surpresa fora o último deles. Era um
humano sendo usado como caçador.
Por isso mantinha aquele homem sentado na pedra sob a mira do meu rifle
de precisão, agora já não sabia se ele era um dos sobreviventes ou um caçador.
Até que uma leve trepidação fez com virasse a luneta para o outro lado. Era uma
hidra, nave média de combate. Estava perseguindo uma mulher, que corria com
dificuldades. No mesmo ângulo surgiu o homem, correndo em direção dela. Troquei
de arma, agora um lançador de míssil portátil, só teria uma chance. Mirei na
hidra e aguardei que ela fizesse uma volta sobre os dois e deixasse o motor
voltado para mim. Ela virou e ficou próxima deles, mirei e prendi a respiração,
porém antes que puxasse o gatilho, um risco vermelho saiu debaixo da nave e
acertou a cabeça do infeliz, explodindo-a. Apertei o gatilho. Antes que os
tripulantes percebessem, o míssil atingiu em cheio o motor. A nave deu uma
guinada para a esquerda, rodopiou e caiu sobre o solo arenoso, explodindo.
Aguardei um pouco para ver se haveria sobreviventes. Nada. Peguei a
metralhadora e saí. Era mesmo uma mulher, parecia ser humana e grávida, estava
apenas desacordada, peguei-a e a carreguei até o esconderijo. Abri uma lata de
pêssegos em calda e fiz com que bebesse o caldo grosso. Ela tossiu, como se
tivesse engasgado, abriu os olhos e ficou receosa com a minha presença.
Levantei a palma da mão e fui explicando que ela estava segura. Acalmou-se e
bebeu o resto do caldo da lata e os pedaços de pêssegos. Enquanto ela comia,
ajeitei um dos beliches e peguei um cobertor, que deveria ser do cozinheiro do
submarino. A cobri e deixei que descansasse. Voltei para o meu ponto de vigília,
com certeza outras hidras deveriam aparecer a procura da nave perdida. Durante
todo o dia nenhum sinal, estranhei, mas pelo menos poderia descansar melhor
naquela noite.
A mulher estava acordada e faminta, fiz com me acompanhasse até a
dispensa e escolhesse o que quisesse. Pêssegos em calda e sopa de tomate foi o
seu cardápio. Comemos em silêncio e foi ela quem começou a conversa, primeiro
me agradecendo por ter salvo a sua vida e depois começou a contar sobre o
ocorrido.
Ela relatou que estava presa em um complexo parecido com um hospital e
estava sendo transferida quando o veículo falhou e caiu próximo dali, foi
quando começou a correr e depois ser perseguida pela hidra. Perguntei se havia
outros sobreviventes e ela balançou a cabeça, ela era a única no complexo. Ela
foi contando sobre algumas que haviam ocorrido e eram desconhecidas para mim. A
nave mãe deles fora atingida e haviam perdido quase todo estoque de energia,
foram obrigados a pousar na superfície da lua e aos poucos foram sendo
transferidos para a Terra. Muitas hidras estavam desativadas e a radiação
estava matando muitos deles. Questionei sobre a gravidez e ela informou que era
uma das prisioneiras no complexo e só se lembrava de ser inoculada pela genital
e depois de quatro semanas estava sentindo o feto dentro dela. De todas as
mulheres presas no complexo ela havia sido a única sobrevivente e que o feto
seria o início de uma nova raça que habitaria o planeta até que toda a radiação
se extinguisse.
Pelo que havia entendido eles estavam inseminando as mulheres com algum
óvulo, modificado geneticamente pelos alienígena e de que não tinham estudado
sobre os efeitos da radiação das armas nucleares dos humanos em seus organismos.
Agora entendi o porquê de estarem usando humanos para caçarem humanos.
A barriga estava grande demais em tão pouco tempo, foi então que
explicou que a incubação levava dois meses para o nascimento. E como sabia de
tudo isso, questionei. A resposta foi direta e cheia de arrependimentos. Ela
era a cientista responsável pelo projeto. Agora estava ficando mais
interessante, se ela havia sido inseminada, então realmente estavam
desesperados e concluí que eles não haviam encontrado mais mulheres. Eu estava
com o último bastião da humanidade. Era um começo. Ela então colocou a mão em
meu ombro, eles nasciam em dois meses e morriam no centésimo. Morriam ainda
bebes, frustrei-me. Novamente ela me encarou e relatou que aquela espécie em
dez meses teriam a forma de um humano de dezoito anos e eram ginandromorfos.
- Ginan...o quê?
- Ginandromorfos, macho e fêmea num só corpo. Explicou segurando o meu
rosto.
- Nunca tinha ouvido sobre isso!
- Na Terra temos insetos e aves que, principalmente em borboletas,
causado por um disfunção dos cromossomos sexuais. Eu só aperfeiçoei. Desenvolvi
um óvulo hermafrodita assexuado.
Na minha mente, a imaginação mostrava uma borboleta ou um pássaro
saindo de dentro daquela mulher, foi percebendo o meu semblante de pânico, que
ela explicou que o feto era um humano aperfeiçoado pelos genes dos alienígenas
e fariam uma autofecundação.
Não deu tempo para um novo questionamento, uma nova trepidação me
despertou e me fez correr para o vão da vigília. Três máquinas monomotoras alienígenas, circulavam em volta dos destroços e
do corpo morto, pude ver o scanner vasculhando todo o perímetro com sua luz
azulada. Desceram as máquinas próximas dos destroços. Três humanos armados e
aliciados pelos inimigos. Engatilhei o rifle e mirei em um deles, mas ela tocou
de leve o meu ombro, implorando para que eu não os assassinasse. Atendi
contrariado, afinal eles tinham se vendidos aos nossos inimigos. Fiquei ali até
que partissem, dessa vez cada um foi para um lado, para nossa sorte, nenhum
deles vieram em nossa direção.
Puxei um dos colchões para
perto da abertura, seria melhor ficar próximo da abertura. De repente ela
abafou o que parecia ser um grito de dor. Corri e segurei sua mão, que me
apertou desesperada. Era a hora. Como já tinha visto em algum programa antigo
de televisão, coloquei mais travesseiros em suas costas e ergui o seu vestido.
Uma mancha escura no lençol e antes que pudesse me ajeitar, uma cabeça apontou
e logo em seguida o corpo todo. Ela gritou para que cortasse o cordão
umbilical, mas antes amarrasse as duas extremidades e cortasse no meio. Tive
medo de olhar para aquele ser e ter uma surpresa desagradável com sua
fisionomia, estava tudo normal, ela chorou e eu tive que me controlar para não
chorar junto, embrulhei-a numa fronha e entreguei a mulher. Tentava imaginá-la
daqui alguns meses com o corpo de uma mulher ou homem, de dezoito anos.
A mulher sorria e chorava ao
mesmo tempo. A cena me fez entender o porquê daquela mulher ter trabalhado
tanto para poder desenvolver um novo óvulo, não era o medo dos aliens, dos
caçadores ou da radiação, era o medo da solidão.
A criança buscou a fonte de seu
alimento na mulher e eu voltei para a abertura, os aliens estavam encurralados
pela radiação e os caçadores não resistiram as minhas balas. Da abertura voltei
o olhar para o anjo mamando, era o ANJO DO APOCALIPSE.