terça-feira, 8 de setembro de 2015

O ANJO DO APOCALIPSE




Há dias que estava dentro do que restara de um submarino nuclear americano. Encontrara água potável e comida enlatada em grande abundância. Não havia energia, pois as baterias estavam todas descarregadas. Todos os misseis haviam sido lançados e o reator nuclear estava derretido e havia um índice elevado de radiação, por isso estava usando uma daquelas roupas anti-radioativas. Para minha sorte, dois compartimentos estavam ilesos, dos alimentos e das armas. E a radiação impedia que “Eles” monitorassem a minha presença.
Os Caça-Humanos com os equipamentos para encontrar seres com o conjunto celular de um humano, chamado “scanner pluricelular homo sapiens”, estavam cada vez mais perto daquele lugar. Eu havia matado três deles e recuperado seus equipamentos e armas, a minha maior surpresa fora o último deles. Era um humano sendo usado como caçador.
Por isso mantinha aquele homem sentado na pedra sob a mira do meu rifle de precisão, agora já não sabia se ele era um dos sobreviventes ou um caçador. Até que uma leve trepidação fez com virasse a luneta para o outro lado. Era uma hidra, nave média de combate. Estava perseguindo uma mulher, que corria com dificuldades. No mesmo ângulo surgiu o homem, correndo em direção dela. Troquei de arma, agora um lançador de míssil portátil, só teria uma chance. Mirei na hidra e aguardei que ela fizesse uma volta sobre os dois e deixasse o motor voltado para mim. Ela virou e ficou próxima deles, mirei e prendi a respiração, porém antes que puxasse o gatilho, um risco vermelho saiu debaixo da nave e acertou a cabeça do infeliz, explodindo-a. Apertei o gatilho. Antes que os tripulantes percebessem, o míssil atingiu em cheio o motor. A nave deu uma guinada para a esquerda, rodopiou e caiu sobre o solo arenoso, explodindo.
Aguardei um pouco para ver se haveria sobreviventes. Nada. Peguei a metralhadora e saí. Era mesmo uma mulher, parecia ser humana e grávida, estava apenas desacordada, peguei-a e a carreguei até o esconderijo. Abri uma lata de pêssegos em calda e fiz com que bebesse o caldo grosso. Ela tossiu, como se tivesse engasgado, abriu os olhos e ficou receosa com a minha presença. Levantei a palma da mão e fui explicando que ela estava segura. Acalmou-se e bebeu o resto do caldo da lata e os pedaços de pêssegos. Enquanto ela comia, ajeitei um dos beliches e peguei um cobertor, que deveria ser do cozinheiro do submarino. A cobri e deixei que descansasse. Voltei para o meu ponto de vigília, com certeza outras hidras deveriam aparecer a procura da nave perdida. Durante todo o dia nenhum sinal, estranhei, mas pelo menos poderia descansar melhor naquela noite.
A mulher estava acordada e faminta, fiz com me acompanhasse até a dispensa e escolhesse o que quisesse. Pêssegos em calda e sopa de tomate foi o seu cardápio. Comemos em silêncio e foi ela quem começou a conversa, primeiro me agradecendo por ter salvo a sua vida e depois começou a contar sobre o ocorrido.
Ela relatou que estava presa em um complexo parecido com um hospital e estava sendo transferida quando o veículo falhou e caiu próximo dali, foi quando começou a correr e depois ser perseguida pela hidra. Perguntei se havia outros sobreviventes e ela balançou a cabeça, ela era a única no complexo. Ela foi contando sobre algumas que haviam ocorrido e eram desconhecidas para mim. A nave mãe deles fora atingida e haviam perdido quase todo estoque de energia, foram obrigados a pousar na superfície da lua e aos poucos foram sendo transferidos para a Terra. Muitas hidras estavam desativadas e a radiação estava matando muitos deles. Questionei sobre a gravidez e ela informou que era uma das prisioneiras no complexo e só se lembrava de ser inoculada pela genital e depois de quatro semanas estava sentindo o feto dentro dela. De todas as mulheres presas no complexo ela havia sido a única sobrevivente e que o feto seria o início de uma nova raça que habitaria o planeta até que toda a radiação se extinguisse.
Pelo que havia entendido eles estavam inseminando as mulheres com algum óvulo, modificado geneticamente pelos alienígena e de que não tinham estudado sobre os efeitos da radiação das armas nucleares dos humanos em seus organismos. Agora entendi o porquê de estarem usando humanos para caçarem humanos.
A barriga estava grande demais em tão pouco tempo, foi então que explicou que a incubação levava dois meses para o nascimento. E como sabia de tudo isso, questionei. A resposta foi direta e cheia de arrependimentos. Ela era a cientista responsável pelo projeto. Agora estava ficando mais interessante, se ela havia sido inseminada, então realmente estavam desesperados e concluí que eles não haviam encontrado mais mulheres. Eu estava com o último bastião da humanidade. Era um começo. Ela então colocou a mão em meu ombro, eles nasciam em dois meses e morriam no centésimo. Morriam ainda bebes, frustrei-me. Novamente ela me encarou e relatou que aquela espécie em dez meses teriam a forma de um humano de dezoito anos e eram ginandromorfos.

- Ginan...o quê?
- Ginandromorfos, macho e fêmea num só corpo. Explicou segurando o meu rosto.
- Nunca tinha ouvido sobre isso!
- Na Terra temos insetos e aves que, principalmente em borboletas, causado por um disfunção dos cromossomos sexuais. Eu só aperfeiçoei. Desenvolvi um óvulo hermafrodita assexuado.

Na minha mente, a imaginação mostrava uma borboleta ou um pássaro saindo de dentro daquela mulher, foi percebendo o meu semblante de pânico, que ela explicou que o feto era um humano aperfeiçoado pelos genes dos alienígenas e fariam uma autofecundação.
Não deu tempo para um novo questionamento, uma nova trepidação me despertou e me fez correr para o vão da vigília. Três máquinas monomotoras alienígenas, circulavam em volta dos destroços e do corpo morto, pude ver o scanner vasculhando todo o perímetro com sua luz azulada. Desceram as máquinas próximas dos destroços. Três humanos armados e aliciados pelos inimigos. Engatilhei o rifle e mirei em um deles, mas ela tocou de leve o meu ombro, implorando para que eu não os assassinasse. Atendi contrariado, afinal eles tinham se vendidos aos nossos inimigos. Fiquei ali até que partissem, dessa vez cada um foi para um lado, para nossa sorte, nenhum deles vieram em nossa direção.
Puxei um dos colchões para perto da abertura, seria melhor ficar próximo da abertura. De repente ela abafou o que parecia ser um grito de dor. Corri e segurei sua mão, que me apertou desesperada. Era a hora. Como já tinha visto em algum programa antigo de televisão, coloquei mais travesseiros em suas costas e ergui o seu vestido. Uma mancha escura no lençol e antes que pudesse me ajeitar, uma cabeça apontou e logo em seguida o corpo todo. Ela gritou para que cortasse o cordão umbilical, mas antes amarrasse as duas extremidades e cortasse no meio. Tive medo de olhar para aquele ser e ter uma surpresa desagradável com sua fisionomia, estava tudo normal, ela chorou e eu tive que me controlar para não chorar junto, embrulhei-a numa fronha e entreguei a mulher. Tentava imaginá-la daqui alguns meses com o corpo de uma mulher ou homem, de dezoito anos.
A mulher sorria e chorava ao mesmo tempo. A cena me fez entender o porquê daquela mulher ter trabalhado tanto para poder desenvolver um novo óvulo, não era o medo dos aliens, dos caçadores ou da radiação, era o medo da solidão.
A criança buscou a fonte de seu alimento na mulher e eu voltei para a abertura, os aliens estavam encurralados pela radiação e os caçadores não resistiram as minhas balas. Da abertura voltei o olhar para o anjo mamando, era o ANJO DO APOCALIPSE.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

OS SOBREVIVENTES





Ainda era cedo, os raios de sol de um novo dia ainda não haviam surgido, mas era preciso começar logo a procura. O tempo era curto, o planeta terra era muito grande e a procura era por algo difícil de achar naquele momento. Sobreviventes.
Os registros apontavam a existência de apenas dois. Dois seres humanos. E pensar que poucos anos atrás eram bilhões. Mas hoje, depois dos ataques, restaram apenas dois. Um homem e uma mulher. Exatamente o que era preciso para recomeçar tudo. Recomeçar a repovoar o mundo. Por isso a responsabilidade de acha-los era grande. Eles não estavam juntos. Cada qual estava num ponto extremo do planeta, pelo menos era o que indicava o “scanner pluricelular homo sapiens” era como deram para chamar o aparelho usado por eles para achar os humanos. “Eles”. No início eram chamados de alienígenas. “Chegaram aos milhares em enormes naves. Ficaram parados por dois dias, suspensos no ar, há cerca de seiscentos metros de altura, em seguida, sem aviso, começaram a atacar, aleatoriamente, toda forma de vida que encontravam. Mas seu foco éramos nós, os humanos”. Esse é um trecho de um diário escrito e abandonado provavelmente por mais um dos que foram dizimados. Em poucas semanas, os bilhões foram reduzidos em milhões; em poucos meses os milhões passaram para apenas alguns milhares.
As armas conhecidas pelo homem eram inúteis contra eles. “Eles”; foi assim que passaram a ser chamados os alienígenas. Eles estão atacando, Eles estão vindo novamente, Eles vão nos exterminar. Quando os líderes mundiais decidiram, em medida desesperada, e por isso, desastrada, disparar amas nucleares contras Eles, o resultados foi a morte de mais humanos. E Eles pareciam não ter pena, cansaço ou limites. Parecia que, enquanto não exterminassem até o último ser vivo, não se contentariam.
Homens, mulheres, crianças, velhos, animais, vegetais. Toda forma de vida era exterminada. A começar pelo homem.
Quando o mundo se resumiu à algumas centenas de pessoas, entocadas em buracos e esconderijos difíceis de serem encontradas pelo mundo, entrou em cena esse aparelho, o “scanner pluricelular homo sapiens”, foi assim que as pessoas se referiam a eles. Eram aparelhos próprios para encontrar seres humanos, para que fossem exterminados. E os operadores desses aparelhos eram chamados de Caça-Humanos, alienígenas enviados exclusivamente para encontrar e eliminar humanos.
É um desses aparelhos que agora vai ser usado para encontrar os últimos dois seres da espécie na terra. O aparelho diz que restam dois deles.
Toda uma história destruída. Destruíram até os livros. Pareciam querer acabar com qualquer vestígio da passagem do homem pelo planeta terra.
Apenas dois seres humanos.
Parecia o fim. Mas também era ainda uma chance. Um homem e uma mulher. Espermatozoides e óvulos. Com apenas isso tudo poderia ser reconstruído. Essa era a esperança. E esse scanner era o responsável por tornar possível o rastreamento de ambos.
Uma dessas pessoas estava no Nepal.
Chegar até esse ser vivo, esse ser humano, essa meia-esperança da raça humana, não seria difícil. Havia máquinas monomotoras alienígenas capazes dobrar a velocidade do som. 600 quilômetros por segundo. Havia milhares dessas máquinas espalhadas pelo mundo. “Eles” haviam deixado espalhadas naves, armas e veículos de tecnologia avançada na terra. Tudo levava a crer que aqui, a terra, agora era sua base de operações nesse sistema solar.
Nesse monomotor, o tempo de chegada ao Nepal seria de poucos minutos.
As pessoas acreditavam que os Caça-Humanos eram espécies diferentes de alienígenas. Diziam que era preciso ser diferente para fazer o que faziam. Caçar humanos não era tarefa fácil; para achar um humano escondido, era preciso pensar como um humano, por vezes até agir como um humano. Esse era o melhor modo de eliminar um humano com mais eficiência.
Mas aquilo era só especulação. Os Caça-Humanos eram frios e perversos como qualquer outro alienígena. O seu intuito era o mesmo dos outros: destruir toda forma de vida do planeta.
Menos de uma hora e o destino fora alcançado. Nepal.
Havia uma montanha entre tantas outras. Nela fora cavado um túnel de mais de trezentos metros de profundidade, feito por mãos humanas. Esse túnel dava para um minúsculo esconderijo. Um verdadeiro esforço braçal para tentar escapar do predador implacável. Não foi fácil encontrar o túnel, mas o “scanner pluricelular homo sapiens” fez o trabalho mais difícil.
No esconderijo havia o cheiro que se tornara peculiar naqueles dias. O cheiro de gente morta, em decomposição, apodrecendo. Quem não morria pelas armas avançadas dos alienígenas, acabava sucumbindo à fome, às doenças e ao desespero de não querer ver-se pego por “Eles” e acabava surtando e matando os outros e a si mesmo.
Avançando um pouco mais para dentro do esconderijo, logo se encontrou o que tanto se procurava. Ela. Uma mulher, um ser humano. A esperança. Era jovem, não devia ter mais de trinta anos; estava bem magra, suja, assustada, trêmula. Sozinha; os olhos denunciavam a desesperança de quem se vê sem saída.
Aquela mulher representava a possibilidade de resistência, de sobrevivência de toda uma espécie. Se ela resistisse, poderia acabar com o plano de destruição que “Eles” vieram por em prática nesse planeta.
Ela marejou os olhos, ia dizer algo, mas não teve tempo. A arma de plasma foi apontada e disparada contra ela, que se desintegrou instantaneamente.
Agora só faltava um. Um único ser humano. Ele observou a arma e pouco a pouco sentiu seus músculos se apertando para ergue-la até sua tempora.
Os alienígenas tinham assumido a melhor das técnicas para encontrar os humanos sobreviventes. Lavagem cerebral nos melhores caçadores, até que eles se tornassem máquinas vivas, prontos para exterminar a própria raça até o último deles. Ele engoliu a seco e sentiu seu corpo esfriar, conforme pressionava o gatilho.
Até o último.